Quem nunca ouviu falar em Dinha do Acarajé ou de Zélia Gattai ? Personagens do Rio Vermelho, bairro da capital baiana que ganhou fama como reduto da boemia. A Bahia de tantas histórias, perdeu duas figuras ilustres. A perda de dois de seus cartões postais da terra maravilhosa, que nos deu Glauber, Caetano, Gil e tantos outros nomes importantíssimos de nossa cultura - fora os anônimos baianos que a gente conhece por aí e logo se apaixona.
A sorridente Lindinalva Assis tornou-se uma figura símbolo. Mais conhecida como Dinha, a baiana de acarajé começou a trabalhar aos 7 anos de idade, como ajudante da avó, Ubaldina, três anos após a morte da mãe, Rute. Ubaldina escolheu, em 1944, o Largo de Santana para montar o primeiro tabuleiro da família Assis. Aos 10 anos, com a doença da avó, Dinha assumiu o posto, e durante quatro décadas se tornou uma das figuras mais famosas do folclore baiano. Dinha se orgulhava de ter criado os oito filhos com a renda do acarajé. Ela chegava a vender cerca de 700 bolinhos por dia, sempre com um sorriso no rosto. A baiana do acarajé é uma herança do candomblé. Antigamente, dentro dos preceitos como filhas-de-santo, elas saiam para mercar de porta em porta, em pregões noturnos pelas ruas de Salvador. De tabuleiro na cabeça, soltavam a voz para que as pessoas dentro das casas pudessem ouvi-las.
A poucos metros ali na Rua Alagoinhas do mesmo bairro – Jorge vai recebê-la de braços abertos no céu – disse o cantor e compositor Dorival Caymmi ao ser comunicado do falecimento da amiga Zélia Gattai Amado, segundo a neta Stella Caymmi. A escritora paulista, autora de Anarquistas, graças a Deus, morreu aos 91 anos, em razão de parada respiratória.
Zélia Gattai estava internada no Hospital da Bahia desde o dia 16 de abril, em recuperação de uma cirurgia para debelar um câncer no intestino. Seu corpo foi cremado na tarde de ontem, no cemitério Jardim da Saudade. As cinzas de Zélia serão depositadas na mesma árvore, na casa do Rio Vermelho, onde foram colocadas as de seu marido Jorge Amado, morto em 2001.
– Em 56 anos de convivência, nunca haviam passado tanto tempo distantes. Eles agora estão de mãos dadas, juntos – garantia a familiares e amigos.
Reza a lenda ter sido Dorival Caymmi o cupido que promoveu a aproximação entre Jorge Amado e Zélia Gattai. A pedido do escritor baiano, ele cantara para ela a canção Acontece que eu sou baiano ("Há tanta mulher no mundo/Só não casa quem não quer /Porque é que eu vim de longe/Pra gostar dessa mulher?"). Assim teria começado o romance em 1945. A partir daí, o casal se tornaria uma referência nacional e viveria junto até a morte de Jorge Amado, em 2001.
Zélia seria a companheira inseparável, acompanhando o escritor em viagens e sendo responsável em datilografar os originais de Jorge Amado, com quem teve os filhos João Jorge e Paloma. Mas Zélia tinha luz própria e se tornaria também escritora de sucesso, contando a saga dos imigrantes italianos no Brasil em Anarquistas, graças a Deus, lançado em 1979.
Zélia escreveu mais 13 títulos, desde memórias, livros infantis ao romance Crônica de uma namorada. Eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL), tomaria posse, em 2002, da cadeira 23 que fora ocupada por seu amado Jorge, José de Alencar e Machado de Assis. Zélia foi um símbolo da força, da doçura e perseverança da mulher brasileira.