quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

AFUÁ: Veneza Majorana ou Amsterdã Tropical



Gostaria de contar um pouco da minha viagem à cidade de Afuá, PA, um município encravado no Marajó, a maior ilha fluvio-marinha do planeta, no estuário onde morre o rio Amazonas. Essa, foi a primeira cidade que fui visitar ao chegar na Região Norte. Cheguei por Macapá e peguei no Porto o barco, onde me levaria a cidade de Afuá, localizada no arquipélago do Marajó. Os bons ventos amazônicos e o movimento da maré indicavam que teríamos uma noite exuberante navegando o rio Amazonas.

A pontualidade ribeirinha foi britânica, e a embarcação Fé em Deus soltou suas amarras precisamente às oito da noite, conforme estabelecido, do porto de Macapá, capital do Amapá. O barco se deslocava suavemente pelo delta do rio Amazonas, com passageiros em excesso e tecnobrega bombando no convés. Dezenas de pessoas se espremiam entre as redes procurando um cantinho para a travessia. 

Segundo o capitão, seriam oito horas para vencer os 100 km até a pequena Afuá, cidade encravada em um ponto da borda oeste da imensa Ilha de Marajó. Durante um bom tempo fiquei observando a abóboda celestial com suas estrelas e constelações, e lá pelas tantas fui esticar o corpo numa rede. 



Quando peguei no sono senti o barco chacoalhando intensamente. Sonolento, olhei para os lados e captei imensa balbúrdia: pessoas choravam e clamavam por Jesus para apaziguar as águas e os ventos. A água espirrava pelo convés e laterais do Fé em Deus com força titânica. Não deu em nada. Da mesma forma como apareceu repentinamente a borrasca, um oceano de tranquilidade instalou-se no turbulento rio Amazonas. Exatamente às quatro da madrugada a embarcação ancorava no portinho de Afuá.

Afuá, nome dado por causa do rio que a cerca, é a última cidade ao Norte da ilha de Marajó, é também conhecida como a “Veneza Marajoara” ou a “Amsterdã tropical”. Trata-se de uma cidade de 40 mil habitantes, onde tudo foi construído de madeira: suas casas, ruas e praças. Lá não existem carros e motos.



Já dizia, Ricardo Bach "Nada acontece por acaso. Não existe a sorte. Há um significado por detrás de cada pequeno ato. Talvez não possa ser visto com clareza imediatamente, mas sê-lo-á antes que se passe muito tempo." Deixei para falar de Afuá por último, para contar uma aventura incrível na Floresta Amazônia. 

Aquelas coisas que só acontecem com a gente. pela manhã, pude ver alguns dos lugares mais bonitos e diferentes desta região. Foram oito horas de viagem dentro dos Rios da Amazonas. Primeira vez que viajava de barco. Foi tensa e apreensiva a viagem. O bate papo com os viajantes e outros deitados em redes improvisadas amarrada no barco que levava cerca de 140 pessoas.

Cheguei na cidade sem dinheiro nenhum e fiquei por dois dias gozando de trabalho e alegria. Depois de sofrer por dias com o clima quente, o raciocínio traindo-me e o corpo sem querer sair debaixo do chuveiro frio, começo a me sentir confortável com o aconchego dos novos amigos.

A recepção da chegada surpreende a qualquer passageiro desavisado. As mulheres o recepcionam no porto para carregar as malas e mercadorias: tímidas ou lascivas. Rejeitadas ou assediadas. Fiéis ou volúveis. Avarentas ou perdulárias. Prudentes, perversas, esquisitas, amorosas. Cada uma serve ao viajante da forma como ele vai a ajuda-la. Estranho, e diferente.

Mas as belezas da Veneza marajoara são muitas. Como Disse, não existem carros, caminhões, sequer motos. Tudo é feito nas bicicletas que circulam pelas estreitas ruas de madeira, poucas em concreto, transportando gente, mercadorias, doentes, lixo e tudo mais. Camarões, de todo tamanho e qualidade, pulam nos paneiros comercializados no mercado e nas esquinas da pequena cidade que não tem muitos hotéis, mas um povo carinhoso e hospitaleiro que recebe a todos de braços abertos, como, aliás, toda a população marajoara. Todas as casas são de madeira, construídas em cima de palafitas. Segundo a prefeitura, são 25 km de ciclovias na área urbana de Afuá, sendo 60% de madeira e o restante de concreto com 15.000 bicicletas cadastradas.

Cochilei por duas horinhas e saí para farejar, borbulhava de curiosidade. Afuá parece uma cidade cenográfica, ou então parada no tempo. As ruas e as casas são todas contruídas sobre pontes e palafitas de madeira, mantendo a cidade acima da várzea, já que Afuá é eternamente alagada pelas águas dos rios.



Afuá, possui um grande potencial turístico, devido às suas peculiaridades. Pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo vêm ver a cidade das palafitas que vai ao fundo em época de Lançante (Março e Abril quando ocorre a maré alta), e também para ver o BICITÁXI – Veículo de quatro rodas não motorizado construído a partir da junção de duas bicicletas, que serve como transporte local.

Outra curiosidade fundada há mais de 100 anos, Afuá, só recebeu sinal de celular e provedor de internet há cerca de dois anos. A população, no entanto, já se adaptou às novas tecnologias e não consegue mais viver desconectada.

O povo afuaense é formado por pessoas que vieram de diversas partes da região norte. Por isso, existe aqui, uma grande mistura de raças e culturas. Um dos principais migrantes é o maranhense que traz consigo o bom humor, juntando-se com o jeitinho hospitaleiro do Afuaense para formar uma gente criativa, trabalhadora e receptiva.

Como disse no início, cheguei em Afuá, somente com o cartão de débito do Banco Itaú e Brasil e na cidade tinha somente CEF e Bradesco. Tive que usar meu jeitinho mineiro de ser, para passar dois dias, comendo, bebendo, e claro até me hospedando de graça na cidade, com promessa de pagar no retorno à Macapá, via depósito, e não é que deu certo. Existem pessoas boas no mundo ainda e que acreditam no ser humano.



Dizem, os moradores mais antigos do município que, quem nasce e se cria nesta terra não se acostuma em nenhum outro lugar do mundo! Por mais que tente! Pode passar cinco, dez, vinte anos fora, mas a saudade não passa, só dói mais gostoso no peito. É por isso que levo no peito à saudade de um dia retornar à Afuá, com meus amigos e filhos, pois tem muita história para contar. Afuá é uma cidade modelada pelas mãos do próprio Deus, esculpida nos mínimos detalhes e nenhuma outra cidade do mundo possui as mesmas características.

Outro detalhe é a polpa roxa de textura aveludada e sabor marcante é comprada em qualquer esquina de Afuá, em média, a 2 reais o litro. Em 2010, o município produziu mais de 6 mil toneladas do fruto, movimentando cerca de 4,5 milhões de reais. Fonte de nutrientes como cálcio, ferro e potássio, o alimento é ainda mais farto e barato que o camarão de água doce, que alguns moradores vão ao rio, eles próprios, pescar com matapi, uma armadilha feita em fundo de quintal.

Assim como o açaí, o crustáceo está arraigado na cultura local. Há 30 anos a cidade promove o Festival do Camarão. No fim de julho, a população dobra por causa da chegada de turistas, ávidos pelas atrações musicais e pela “batalha camaroeira” – uma criação mais recente. Nesse embate, as agremiações de camarão Convencido e Pavulagem disputam quem faz a melhor apresentação, com base em vários critérios, nos moldes da festa amazonense do boi de Parintins.

Falando da vida em Afuá outras curiosidades que não deixo passar em branco. Afuá tem um bom serviço de saúde – se ficar doente, o afuaense pode chamar uma “bicilância” para levá-lo ao ambulatório local. Se o caso for grave, vai a Macapá de “ambulancha”. Já na parte de saneamento básico é totalmente precário. Não há rede de esgoto. Portanto, quem não tem fossa no fundo de casa é obrigado a despejar os dejetos direto no solo e, por consequência, no rio. A cidade é baixa em relação ao nível do mar (até 8 metros), o que dificulta a instalação de um sistema de esgotos.

A partida se deu com a tristeza, de alguns amigos que fiz por algumas horas. Depois de ter chegado dias antes a Afuá a bordo do barco fém em Deus, parto naquela madrugada no Virgem Maria. Nomes de santos para ajudar na longa travessia. Assim findava nossa estada naquela fronteira. Afuá é um laboratório amazônico em que a alternativa sustentável da bicicleta deu certo. Um conceito único de qualidade de vida e mobilidade urbana. Vai pedalar.

Hoje não tem mais padre-sem-cabeça assombrando as nossas ruas de noite. O Afuá muda, nós mudamos, mas este sentimento de carinho e puro amor por esta cidade tão... única, isso não muda. Nunca vai mudar! Esse é o lugar e de tantas histórias pra contar.




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